O olho do Tigre – parte II

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Chamar de bairro chinês, ou Chinatown, a região de uma cidade onde três quartos da população são chineses é algo como imaginar um bairro da Liberdade, um gueto japonês, no Japão. E é em ChinaTown que estou agora. Depois de atravessar a passarela sobre a New Bridge Road, ao lado do metrô chinatown, fui caminhar pela Pagoda Street, uma rua fechada para carros e repleta de barracas de suvenires, bonés falsificados, perfumes Hugo “Boos” e lojas de eletrônicos. Ali também fica o Chinese Heritage Centre (CHC), museu montado em uma antiga shophouse que narra a chegada dos chineses ao lugar. Pelos apertados cômodos do CHC, painéis, objetos e ambientes reconstituídos dão uma boa noção dos tempos penosos da formação da colônia, no século 19, quando o escasso dinheiro ganho em trabalhos braçais virava fumaça nos cachimbos de ópio ou nas mesas de jogo. Dentro das casas, os desejos eram transportados em cestos, e as camas feitas com esteiras ocupavam cubículos escuros fétidos.

Na esquina da Pagoda Street com a South Bridge Road, ainda em Chinatown, fica um dos símbolos multiétnicos de Cingapura, o templo hindu Sri Mariamman. Coberta de coloridas esculturas de deidades e bestas mitológicas, , a construção de 1827 é um dos cartões postais da cidade. Suba a sacada do pátio para ver as imagens religiosas em primeiro plano em contraste com os espigões modernos do centro financeiro. Mas foi a três quadras dali, na mesma South Bridge, que dei de cara com algo mais marcante, o suntuoso Buddha Tooh Relic Temple, o mais recente marco cultural e religioso do país. Desenhado no estilo da dinastia Tang (618-907 d.C.), o prédio de cinco andares ostenta diversas seções de telhados chineses, suavemente curvados e destacados das paredes vermelhas. Dentro, o arroubo vem no imenso 100 Dragons Hall, que exibe um estátua de Maitreya Buddaha com 4,5 metros de altura e paredes com outra centena de budas e adornos folheados a ouro.

Cingapura

O lado mais “Tiger” de Cingapura – aquela Cingapura de que o Ocidente ouviu falar, o país da oitava renda per capita do mundo – se faz presente na Ilha de Sentosa, unida à ilha principal pela Gateway Avenue e pelo cable car, teleférico que está sendo trocado por um modelo mais moderno. Sentosa é um grande complexo de lazer com praia artificial – omportou-se da areia aos coqueiros-, atrações higth-tech, restaurantes, bares e resorts.

Em Sentosa está a Universal Studios, que em março passado aportou na ilha com um parque compacto mas promissor. Ainda em soft opening, a atração só deve ser concluída no começo de 2011, com sete áreas temáticas de filmes como Madagascar, Jurassic Park e Shrek. Ao lado do parque, forma concluídos um cassino e quatro novos hotéis, inindo-se aos seis resorts que já existiam no local e que formam o Resorts World at Sentosa. Na gastronomia, o chef parisiense Joel Rebuchon, agraciado com 25 estrelas Michelin em seus  20 restaurantes mundo afora, já anunciou a abertura de três endereços no complexo. Em 2011, o local ganhará também o Mrine Life Park, projetados para ser o maior e um dos mais interativos oceanários do mundo.

É notável que o país tenha se tornado a potência que se tornou. Em 1965, ano de sua independência, ainda vivia tensões raciais e grassavama corrupção, desemprego e favelas. Estas foram atacadas por um programa, o Housing & Development Board, que virou referência internacional. Hoje, nas ruas da cidade, há sempre um prédio residencial alto, largo, colorido, reto e funcional em alguma direção. Uma versão eleitoreira desse sistema foi impknatada sem sucesso, em São Paulo na década de 1990 –  alguém se lembra do Projeto Cinga Pura?

Nos anos seguintes, Cingapura institucionalizou o inglês como língua oficial e construiu uma moderna infraestrutura, na qual sobressaem o porto, o aeroporto, o metrô, a malha rodoviária e as redes de comunicação. O país se tornou grande exportador de produtos eletrônicos e o movimento do porto explodiu, atingindo o maior fluxo mundial de contéinerses.

As mesma ruas em que Nelsinho Piquet sepultou sua carreira na Fórmula 1 são onde a pujança econômica do país mais se explicita, Endereço de banco, tradings, condultorias, seguradoras e de mais instituições do gênero, o centro financeiro ostenta uma arquitetura arrojada ao longo do Rio Cingapura e às margens de Marina Bay. É ali que, ao custo de 5 bilhões de dólares, acaba de emergir o Marina Bay Sands, um portentoso complexo com restaurantes gourmet, mais de 2500 leitos hoteleiros, o segundo cassino do país, shopping Center. O desenho inovador com três torres gêmeas interligadas por um imenso terraço arborizado, já se transformou no novo landmark da cidade, mesmo com parte do projeto ainda em finalização. Daniel Boulud, Santi Santamaria e Mario Batali estão entre os badalados chefs internacionais que assinarão cardápios no Marina. Para ter uma vista espetacular desse pedaço emblemático de Cingapura, reserve uma mesa num dos restaurantes do Swissôtel, como o Equinos, no 70º andar. A vista estende-se até a muralha de arranha-céus de Boat Quay, com o Rio Cingapura à frente.

Na continuação do rio fica Clarke Quay, o mais espantoso pólo de entretenimento noturno da cidade, com gigantescas coberturas prateadas pairando sobre o passeio a cerca de 20 metros do chão, proteção necessária por causa das recorrentes chuvas equatoriais As estruturas metálicas tornam a cena ainda mais futurista, lembrando naves alienígenas suspensas por braços mecânicos. A confluência de calçadões cortam quatro grandes blocos de bares e restaurantes, cada qual mais vanguardista e moderno que o outro. O bar The Clinic pareceu-me o mais inusitado: biombos de enfermaria de hospital separam as mesas, que recebem iluminação de centro cirúrgico e têm cadeiras de rodas e catres no lugar dos assentos convencionais.

Do outro lado do rio, The Central tem tudo o que se espera de um shopping, acrescido de alguns toques locais: grifes caras, restaurantes asiáticos, uma moderna estação de metrô no subsolo e traslado de ônibus gratuito para outros lugares do centro. Por ali está também o Riverside Point, antiga área portuária que, seguindo a vaga mundial, foi reestilizada para abrigar bares e restaurantes. Com cara e cardápio de fast-food, o Jumbo me surpreendeu pelo serviço competente – quase regra na ilha – e por um prato de camarões graúdos. A caneca da cerveja Tiger, lager cingapuriana semelhante a qualquer Ambev das nossas, custou metade do preço das casas noturnas.

Um passeio pela Cingapura contemporânea não é completo sem uma visita no Esplanade, conjunto de teatros e espaços artísticos inaugurado em 2002 para ser um ícone arquitetônico do país, mais ou menos como a Opera House em Sydney. O formato da construção remete a duas metades de uma jaca, dispostas lado a lado, com a casca revestida de pontas triangulares formando a cobertura. A fruta homenageada, no entanto, é a durian, espécie típica do Sudeste Asiático que, por causa do cheiro de chulé, não pode sequer ser transportada no metrô – a multa é de US$ 3,5 mil. Por dentro, a polpa branca e enrrugada tem sabor semelhante ao da própria jaca, mas com um toque de cebola, diferente, interessante. Não há durian à venda perto do teatro. Para prová-la, fui até as barracas 24 horas da Sims  Avenue, a dez minutos de caminhada da estação Aljunied do metrô.

Perto do Esplanade estão outros marcos importantes do centro de Cingapura. Na continuação da Raffles Avenue localiza-se a Singapore Flyer, a maior roda-gigante do mundo – pelo menos enquanto a Berlim e a de Pequim não ficam prontas. À esquerda, depois da Esplanade Bridge, encontra-se o Merlion, escultura com cabeça de Leão e corpo de sereia que é símbolo do país. Ao fundo, o Fullerton Hotel exibe linhas neoclássicas com influência britânica, elegância que contrasta com o ultramoderno skyline da cidade. A charmosa Anderson Bridge, ao lado, conecta a área da marina ao centro financeiro. Ali, em frente ao Victoria Theatre & Concert Hall, outro legado inglês, está a altiva estátua de bronze de sir Stamford Raflles, o primeiro a imaginar Cingapura como uma ilha de prosperidade. Quem conhece o país enxerga o que Raffles anteviu quase dois séculos atrás.

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Chinatown, Cingapura

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