Tá quente, tá frio

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Para o escritor suíço Alain de Botton, no livro A Arte de Viajar, as paisagens que povoam o imaginário do turista antes de embarcar estão longe do que o lugar é de fato. Para ele, as experiências mais inspiradoras, por vezes, são as idealizadas entre quatro paredes. Tamanho desencantamento tem lá sua justificativa: afinal, quem se deslumbraria com lagos, picos nevados e cenários bucólicos tendo nascido em berço já tão pleno de atributos naturais quanto a Suíça? Nesta época do ano, a terra dos relógios, das vacas gorduchas, das contas bancárias sigilosas e dos canivetes multifunções que conferem até aos pouco criativos a polivalência de um MacGyver – personagem da série de TV dos anos 1980 que conseguiria derrubar um prédio usando um chiclete e um par de cadarços – lota de turistas ávidos por curtir o inverno em meio ao charme dos Alpes, com direito a muito chocolate quente e fondue de frente para a lareira.

Não à toa, o número de brasileiros no país tem crescido tão rápido quanto as raquetadas do também suíço Roger Federer, considerado um dos melhores tenistas de todos os tempos. Dados do Escritório de Turismo da Suíça (Switzerland Tourism) apontam que entre novembro de 2009 e abril de 2010, o país dos Alpes recebeu 27,3 mil brasileiros, 21% a mais do que no inverno anterior. As pernoites, por sua vez, somaram 73 mil no mesmo período (variação positiva de 12%).

Mesmo assim, ao contrário do que se pensa, a Suíça está longe de ser um destino exclusivamente de inverno. Pelo contrário. Na meia-estação, além de clima e preços amenos, vários festivais voltam a atrair visitantes para os mais distantes cantões do país, a exemplo do Carnaval no Monte Titlis, dos concertos de música clássica em Interlaken, do festival de humor em Lucerna e da festa latina em Weggis (confira a programação completa no quadro ao lado).

Mas é no verão que se tem a oportunidade de vivenciar as quatro estações de uma só vez. Enquanto moradores de Zurique aproveitam os meses mais quentes de julho e agosto para se banhar nas águas límpidas do Rio Limmat, os picos de neve eterna nos mais de 200 centros de esqui suíços garantem temperaturas abaixo de zero seja qual for a época do ano.

Nessa brincadeira de tá quente, tá frio, a fantástica rede ferroviária exerce papel fundamental. O turista embarca no calor do verão e desembarca trêmulo, com luvas, cachecol e dentes batendo em montanhas com temperatura abaixo de zero. No topo dos Alpes, os flocos de gelo marcam presença 365 dias por anos. E os asiáticos também. Sim: esqueça os catálogos de divulgação do destino com fotos de nórdicos sorridentes deslizando com seus esquis. Na estação de Jungfraujoch, intitulada o Topo da Europa, japoneses e chineses são maioria. Cada passo é um flash…

Já no Monte Titlis, em Engelberg, a presença de indianos é quase cármica de tão constante. Por isso, não estranhe se encontrar pratos com um toque de curry nos restaurantes ou se houver um cartaz no banheiro explicando como usar o vaso sanitário. “Muitos indianos sobem na privada porque estão acostumados a ir ao banheiro de pé. Lá, a maioria dos toaletes só dispõe de um buraco no chão”, esclarece o representante da estação Titlis Rotair, Peter Niederberger.

A Suíça, aliás, forma um autêntico cadinho cultural. Só de línguas oficiais há quatro: alemão (falado por 64% dos suíços), francês (20%), italiano (7%) e o romanche, dialeto neolatino pronunciado por menos de 1% da população. E grande parte dos suíços tem fluência em inglês e outros idiomas, como o espanhol e o servo-croata.

Qual não foi minha surpresa quando, logo no primeiro dia de viagem, o funcionário responsável por conferir os passes de cada passageiro dentro do trem me perguntou em português impecável: “Está de férias na Suíça?”. E diante da minha surpresa, explicou com um sorriso meio acanhado, meio safadinho: “Tenho algumas amigas brasileiras. Aprendi um pouco de português com elas”. Definitivamente, os suíços nasceram com a tecla sap acoplada…

E apesar da fama de neutros – respeitada durante as duas grandes guerras que devastaram o continente europeu no século 20 -, eles têm personalidade e princípios tão precisos quanto seus relógios. Para começar, trabalho é questão de honra. “O suíço sente vergonha de ter de recorrer ao seguro-desemprego”, conta a guia turística Ursula Casanova, filha de um suíço com uma brasileira. Detalhe: lá o benefício pode chegar a 10,5 mil francos por mês (cerca de R$ 19 mil)!

Ecologia e os direitos dos animais também são questões levadas a sério. Assim como o sistema criado pelo suíço Julius Müller para regulamentar os torneios oficiais de xadrez, dama e bridge, tudo na Suíça parece milimetricamente pensado.

E o país não mexe suas peças sem antes ponderar um eventual xeque-mate de ambientalistas ou da própria população em questões políticas. Todo cão, por exemplo, possui um chip com nome, telefone e endereço do dono. Não bastasse isso, quem fica desempregado recebe do governo uma ajuda de custo mensal no valor de 100 francos (R$ 178) para cuidar do cachorro.

É bem verdade que também há quem se aproveite desses benefícios. Em Zurique, é possível ver grupos de punks na contramão do sistema, sempre com cabelos coloridos e um cão a tiracolo para lhe garantir o sustento sem ter de pegar no batente. Até porque não trabalhar é a maior subversão que se pode pensar por lá.

Outra palavra de ordem é pontualidade. Na terra em que os relógios têm peso e preço de joia, se um trem está marcado para as 14h37, pode ter certeza de que ele estará lá rigorosamente neste horário. Reservas de restaurantes, táxis e serviços de guias também costumam ser controlados à risca pelos ponteiros.

Resultado? Serviços impecáveis, ruas limpíssimas, povo hospitaleiro e paisagens idílicas, que fazem qualquer um sentir-se nas nuvens – ou, pelo menos, nos Alpes, bem pertinho delas. E você, o que está esperando para refutar Botton e arrumar as malas?

Fonte: Diário do Grande ABC

Para mais informações: www.interpoint.com.br

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